sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

VÉSPERA

A palavra que amanheceu na minha cabeça hoje é véspera. Do latim ‘vespera,ae’, à tarde, ao cerrar da noite. É o dia que imediatamente antecede aquele de que se trata. A véspera do feriado, do Natal, do Ano Novo, do casamento, do aniversário...
O dia da véspera sempre se sabe, menos a véspera da nossa morte. Este dia que embora seja certo, não conhecemos, tem véspera indeterminada.
Como sempre fui muito ansiosa, toda véspera de uma data importante, causava-me aflições, palpitações, até enjoos conforme a ocasião, independente do evento do dia seguinte ser bom, ruim, ou imprevisível. O tempo e a maturidade me fez ter controle maior sobre as emoções. Já não tenho palpitações, nem enjoos, embora ainda perca o sono. Véspera para mim não é palavra nem instante muito agradável. Metaforicamente podemos dizer que quem se antecipa muito a ponto de ficar ansioso ou nervoso está sofrendo antes da hora – daí surge a frase “o peru é quem sofre de véspera” – pois bem, eu sou como o peru.
Assim, bom mesmo no meu entender é o dia do fato, vésperas não. Gosto é da véspera de nada, só esta me deixa em grande sossego, me traz tranquilidade. Vésperas de viagem abomino, esconjuro. È uma gama de correrias, miudezas para ajeitar, atenção redobrada a esquecimentos, listinhas, ânsias...  Bom mesmo é a véspera de não partir nunca, como diz Álvaro Campos – heterônimo de Fernando Pessoa, num poema: Na véspera de não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas, nem fazer planos em papel... Não há que fazer nada na véspera de não partir nunca...”.
Augusto dos Anjos, também deveria ter mau palpite quanto às vésperas, fato é que escreve em seu poema ‘Versos Íntimos’: “Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro”. Disse tudo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017


Na onda da Black Friday
Black Friday é uma expressão em inglês, que significa Sexta Feira Negra. É a sexta feira depois do dia de Ação de Graças. Este termo teve origem nos Estados Unidos, e é um dia especial porque as lojas fazem grandes descontos, e por isso muitas pessoas compram presentes para o Natal. Ocorre na última Sexta Feira do mês de Novembro. Black Friday pode também se referir a qualquer sexta-feira em que ocorra uma calamidade pública. Nesse caso, a explicação se deve ao fato de a cor negra ter sido historicamente associada a conceitos negativos, como em “mercado negro” e “ovelha negra", entre outras expressões. Os varejistas americanos logo perceberam que essa seria uma excelente oportunidade para criarem um dia de liquidações especiais atraindo mais consumidores.
Reeditando o modelo americano, as empresas brasileiras entraram na onda das super ofertas. Neste mês de novembro não há loja que não tenha promoções especiais. Peguei carona e fui procurar a Black Friday que me importava: um bom colchão a preço justo. Um colchão cuja relação entre o investimento, valor gasto, e o que se recebe como lucro me desse um bom resultado de satisfação.
Romaria pelas lojas, conversas com vendedores, todos muito simpáticos, mostrando as qualidades do produto. Uns de espuma, outros de molas simples ou ensacadas, uns de tecido frio, que transpira, antialérgico e o escambau.  Ao fim de umas duas horas eu já havia me deitado em vários colchões, obtido inúmeros orçamentos, todos com super descontos da sexta-feira negra. Estava cansada, indecisa e irritada.
Voltando pra casa, lembrei-me do colchão de pano de algodão e palhas de milho secas onde dormi toda minha infância e parte da adolescência. Não havia outras opções, ofertas, promoções. O sono era profundo, tranquilo, reparador. As sextas-feiras eram apenas o último dia da semana e novembro o prelúdio do mês natalino. E a vida tinha mais graça!


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

DISTÂNCIAS

Comecei a correr num sábado qualquer, por influência da Vivi, que eu vira uma única vez e me fez o convite, e também por questões de saúde. Depois os treinos foram se tornando rotina e a Vivi tornou-se amiga íntima. Nunca fui apaixonada por esportes e no início foi difícil, muitas vezes foi preciso me ungir de uma vontade majestosa para chegar à pista, mas depois dos esforços vinha a compensação, o barato da corrida, o bem estar.
Já faz quatro meses que corro e na primeira competição colhi bons resultados e isso me deu uma baita emoção; um estímulo ímpar. Hoje percorro três ou quatro quilômetros suando com prazer. A brisa no rosto, o sol pegando na pele, passadas largas no asfalto, as endorfinas navegando pelo sangue – corrida é pura química!
Nesta manhã eu corria e pensava como é interessante na nossa vida vencer distâncias. Basta ter um propósito, um querer bastante para ir adiante! E às vezes podemos começar sem grandes razões, simplesmente pela necessidade de se mover. No filme Forrest Gump, tem uma passagem que ele corre e justifica: “... Corri até sair do Alabama. Sem nenhum motivo, e segui em frente. Corri até chegar no oceano. E quando cheguei lá, já que tinha ido tão longe resolvi voltar e continuar. E ao chegar no outro oceano, já que tinha ido tão longe resolvi dar meia volta e continuar correndo. Quando eu ficava cansado, dormia. Quando tinha fome, comia e quando precisava ir… Bom, sabe… eu ia.”
Assim eu ando, parando quando necessário, retomando o percurso quando é preciso continuar, tanto nos treinos como em outros aspectos da vida. E percorrendo distâncias, vou vencendo barreiras, desprezando lembranças, amortecendo saudades!

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

VONTADE

Hoje levantei com esta palavra na minha mente. Isto ocorre comigo seguido, passar o dia com uma palavra me assombrando. E quando ela resiste em me deixar, recorro à escrita para expulsá-la de mim, como um ato de desobsessão.
Vontade é um substantivo feminino que significa a faculdade que tem o ser humano de querer, de escolher, de livremente praticar ou deixar de praticar alguma coisa. Também pode ser a força interior que impulsiona o indivíduo a realizar algo, a atingir seus fins ou desejos. Originada do Latim voluntas , é o desejo, o ânimo, o querer.
Todos os dias acordamos, indiscutivelmente, com alguma vontade, positiva ou negativa. Pode ser vontade de tomar café, de correr no parque, caminhar, trabalhar, iniciar um novo projeto, viajar, falar com um amigo... Ou simplesmente vontade de nem levantar! Tudo são vontades e estas reportam a uma escolha, uma ação. E conforme se configuram nossas ações, vamos colhendo resultados. Portanto nenhuma atitude resultará sem a devida volição do sujeito.
Enquanto divago sobre esta palavra, você que me lê deve estar pensando em algo que esteja com vontade de fazer. E é bom mesmo pensar nisso, porque o tempo é fugaz e as possibilidades neste mundo contemporâneo são vastas, sem contar nossa tendência congênita à comodidade. Mas o tempo de cada um corre de forma muito particular e desta mesma forma caminha nossos quereres.

Fundamental é não perder o ânimo, buscar, realizar, evoluir. E ter consciência do livre-arbítrio. O resto é mar, é tudo que eu não sei contar.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

QUASE NADA

Tem dias que me é difícil levantar. Acordo as sete e rolo na cama até às oito, cheia de culpas por não ter o ânimo devido e acordar cheia de felicidade e gratidão pelo dia lindo de sol, pelo sabiá que canta desde a madrugada na minha janela, pelo café farto que eu poderei tomar na minha cozinha. Meu peito dói espremido por uma angústia que eu não sei de onde vem.
Noutros dias me esforço um bocado para levantar na hora certa e cumprir algum compromisso assumido, como o treino de corrida na Redenção, três vezes por semana com um grupo de várias idades. Depois que visto o tênis, tomo uns goles de café e consigo por o pé fora do portão de casa, parece que as coisas começam a melhorar. Sinto-me realmente plena quando consigo vencer estes pequenos ‘obstáculos psicológicos’.
Segundo o Código Internacional de Doenças eu devo ser bipolar, transtorno mental em que a pessoa alterna entre períodos de depressão e períodos de elevado ânimo. E o mais interessante, é que no decorrer do dia meus humores variam de hora em hora, sem razões maiores. Vem-me seguido aquela pergunta: será que não sou normal?
Afinal o que é ser normal?  Tudo o que não se ajusta à sociedade é taxado de fora do normal e para corrigir, a psiquiatria moderna tem o tratamento e a pílula certa para cada diagnóstico. Não acho errado tratar estes males com medicação, há situações que são imprescindíveis, e graças aos avanços da medicina há tratamentos eficazes para casos precisos – eu já usei e recomendo.
Mas ter um humor sempre estável, bem ajustado, numa sociedade insana como a nossa, é sinal de saúde?  Essa busca desenfreada pela adaptação à ordem não será justamente a razão de nossos maiores sofrimentos? Um pouco de loucura é essencial em qualquer ser humano – falo daquela loucura boa, que nos faz sermos ousados e buscarmos caminhos originais. As pessoas que são consideradas loucas são as mais criativas. Os previsíveis fazem o que todo mundo faz, não inovam, não fogem às regras, não ousam. Fazer loucuras é dar asas a uma possibilidade, é tomar um rumo diferente.
Assim, enquanto resisto à inclinação de recorrer às pílulas que façam desaparecer as dificuldades da vida, vou administrando meus dias instáveis, transitando minha sanidade entre os dois polos, vivendo minhas alegrias e tristezas intensamente, por quase nada.


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

EXPRESSÕES VIRTUAIS

Hoje a forma mais usual de nos comunicar é através das ferramentas virtuais. E as redes sociais são o meio rápido de expor nossas ideias e demonstrar nossos sentimentos de tristeza, alegria, raiva, entre outros. Quando os amigos estão de aniversário o ‘face’ nos lembra e, obrigatoriamente,  deixamos o recado de felicitações na sua página, com cartão, flores e até bolo. Quando se perde um ente querido, troca-se a foto de rosto da página virtual para um olho escuro com uma lágrima e a palavra ‘luto’.  Isto já desperta curiosidade e comoção na nossa rede. Resumimos nossas sensações através da expressão de um Emoticon ou Emoji. O termo emoticon é a aglutinação de duas palavras inglesas: emotion (emoção) e icon (ícone), e consiste na utilização de caracteres gráficos para representar emoções humanas. Eles servem para expressar emoções, o que se dá essencialmente por meio de caracteres tipográficos. Emoji é de origem japonesa e é considerado um pictograma, ou seja, uma imagem que transmite a ideia de uma palavra ou frase completa. Da mesma forma que o pesar, manifestamos uma felicidade ou gargalhada com o emoji chorando de rir; ou raiva com a carinha do ‘grrrrr’; tudo certo com o polegar para cima, que simboliza a aprovação ou consentimento de uma ideia ou opinião partilhada.
Pensando em tudo isso, me veio à mente o quanto estão abreviadas nossas manifestações de sentimentos. Há poucos dias morreu uma pessoa que teve um significado muito grande na minha vida, e tudo o que fiz foi postar um emoji de lágrima no espaço reservado aos comentários no post da notícia. Senti-me pequena, ínfima, de afeto reduzido.
Embora cada uma destas figurinhas tenha uma enorme carga de sentimento, nunca equivalerá ao abraço, beijo, aperto de mão, ao toque da pele. Mas as carinhas ganham cada vez mais importância na comunicação diária, tornando-se uma espécie de linguagem global. Será que chegaremos ao tempo que voltaremos a nos comunicar apenas por imagens em vez de textos como no Egito antigo?
De qualquer forma as figurinhas são muito divertidas, e quanto mais expressivo o traço, maior é a intenção de sentimento que se quer representar na mensagem.
E na onda dos emojis quero dizer que 

todos vocês queridos leitores. 







sábado, 9 de setembro de 2017

FERIADO

Tudo é estável:
Os móveis na sala,
Os livros na estante.
Até os olhos do gato
Fixados no mesmo objeto.
Esta passividade das coisas,
Este silêncio de feriado
Pausando o murmúrio da rua,
Sossega também meu coração.
Aquieta minha mente,
Abraça minha solidão. 

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

PRELÚDIOS DE PRIMAVERA

Este friozinho de arrepiar a pele e pelos dos braços, misturado com o cheiro das amoreiras, jabuticabeiras e azaleias florescendo nos pátios, ruas e praças, só existe nas manhãs desta estação. Quando o sol abre e esquenta, mangas e mantas vão se despindo dos corpos. O fluxo urbano aumenta: pedestres caminhando, correndo, pedalando...  E a cidade vira um rebuliço! E quem acorda mais cedo apreciará com mais afinco os odores das manhãs ensaiando a próxima primavera. Aqui no sul temos esta variação de temperaturas que remodelam nosso humor, deixando nossas vidas mais cheias de graça.  E junto com os odores das flores e frutas, as manhãs nos brindam com o canto dos sabiás, bem-te-vis e outras espécies que fazem festa já tenteando acasalamentos. Coroando todos os cheiros está o do café passado, que sai das cafeterias e casas da vizinhança, cortando os ares, penetrando nas janelas escancaradas.
São belezas e pequenos prazeres que a vida nos oferece e que na maioria das vezes, por conta dos compromissos, da agenda lotada, da correria, passam discretos, sem nosso olhar mais atento. E o que passa, já foi. Só amanhã, talvez com sorte, teremos novamente uma manhã com cheiros, cantos, sabores e amores.
Se tiveres um tempo, pare, ouça e sinta, tome consciência. Porque se não estivermos atentos, a vida corre despercebida e este momento único não se recupera mais. Sinta tuas manhãs de forma insólita, porque depois de hoje tudo é possível: o canto pode silenciar, a amoreira e jabuticabeira secar, a azaleia murchar e o café esfriar...

É a graça que passa para todos. 

segunda-feira, 31 de julho de 2017

RESILIÊNCIA

Outro dia, lendo o Evangelho, me deparei com esta palavra ‘resiliência’. Achei-a tão bonita, sonora, agradável e carregada de significados. Na Física, ‘resiliência’ resume a capacidade dos materiais de retornar à forma original depois de sofrer uma deformação. A psicologia tomou este termo emprestado da física, definindo resiliência como a habilidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas. Quando aplicado aos seres humanos, o conceito segue uma solução diferente do que acontece quando empregado na física, se destacando exatamente pela capacidade do indivíduo dar a volta por cima das situações de risco e voltar TRANSFORMADO, crescendo com a experiência.

Entre os seres humanos, os resilientes são aqueles que têm a habilidade de se refazer depois das frustrações, usando-as ao seu favor. Ao longo da nossa existência individual, familiar ou social, vamos nos deparando com vários ensaios difíceis. Situações traumáticas, angustiantes, estressantes. Cada indivíduo tem uma maneira de lidar com tais adversidades. Para alguns a resiliência é fator inato; para outros ela é mais difícil de ser exercitada. O modo como vimos e enfrentamos nossos dissabores vai mensurar nosso grau de resiliência. O fato é que desenvolver a resiliência é algo positivo para nossa vida. O otimismo, a empatia, bom humor, perdoar e perdoar-se, encarar os problemas como aprendizados, são práticas que reforçam nosso grau de resiliência.  Resumindo, saber transformar os limões azedos em saborosas limonadas é o segredo dos fortes – é a química da vida!

sexta-feira, 14 de julho de 2017

FRUSTRATIONES

A palavra frustração é originada do latim frustratione. É um substantivo feminino que nomina o ato de frustrar-se. E frustrar-se significa uma insatisfação resultante de algum impedimento na realização dos nossos desejos. A frustração ocorre quando identificamos um erro entre aquilo que planejamos e o que realmente aconteceu.
Este sentimento muitas vezes é provocado pela ação de outras pessoas que podem nos frustrar de várias maneiras, uma vez que seres humanos são maravilhosos e ao mesmo tempo imprevisíveis. Já me decepcionei com amigos pelos quais tinha enorme consideração, e aprendi que as pessoas podem ser irracionais, injustas e inconsistentes. Por outro lado os nossos erros e omissões também desapontam os outros. Ou seja, nós também podemos ser uma fonte de frustrações para os próximos. Não podemos controlar o comportamento dos outros, mas nossas reações a ele, sim.
Eu penso que ainda é mais fácil lidar com as frustrações que os outros nos causam do que aquelas que praticamos pelos próprios erros. Nossas malogradas ações provocam decepções tamanhas que muitas vezes nem conseguimos mensurar. Somente depois de passado bom tempo é que elaboramos tais equívocos. Frustração de um namoro que não deu certo, de uma carreira mal-aventurada, de um amor não correspondido, de um projeto não elaborado ou um casamento malfadado.
A fórmula para nos preservar de maiores desilusões, parece estar no modo como nos comportamos diante das adversidades.  Enxergar a frustração como um ‘atraso no nosso sucesso’ em vez de um ‘fracasso’, é uma boa ação. Ao longo da minha vida, por exemplo, eu me dei conta de que foi muito bom que certas coisas que um dia eu quis, nunca aconteceram. Temos o costume de associar nossas expectativas com felicidade, mas nós não sabemos o que nos fará felizes e nossos palpites a esse respeito quase sempre estão errados. Geralmente a felicidade não está no ‘pacote que idealizamos’.
Finalizo dizendo que a resiliência, a criatividade e a valorização das nossas pequenas vitórias, são grandes aliadas.

No mais, cuide-se ou lamba suas feridas, na solidão. 

sexta-feira, 30 de junho de 2017

CAFÉ DA MANHÃ

O moinho do café
Mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minh’alma é
Moeu quem me deixa só.
Fernando Pessoa

O café da manhã, para mim, tem uma ritualística. Não consigo comer qualquer coisa e sair cumprindo agenda. Já fiz isso muitos anos na minha vida. Hoje, com mais tempo disponível, me reservo o direito de compor os ingredientes do desjejum de forma quase litúrgica.
Para quem não tem o hábito de tomar café da manhã, qualquer motivo basta para justificar o descompromisso: falta de fome ao acordar, falta de tempo, preguiça e muitas outras desculpas. O que muita gente não sabe é que a primeira refeição do dia ajuda-nos a ter uma vida mais saudável, com melhor desempenho intelectual e melhor desenvolvimento no trabalho. O café da manhã tem a importante função de repor a energia que foi gasta durante o sono. Além disso, estudos indicam que realizar o café da manhã ajuda no controle da ingestão alimentar durante o dia, auxiliando no equilíbrio do peso. Os nutricionistas dizem muito mais, compõem receitas para o café da manhã, mas bom mesmo é o básico: o pão fresquinho da padaria da esquina, a manteiga da feira e ao menos uma fruta – a banana tem unanimidade na maioria dos lares. Açúcar, gosto do mascavo, também da feira.
O cheiro do café passado estimula o cérebro, instiga a alma. Tem algo mais saboroso que o café fresquinho? Existem muitas cafeterias aqui em Porto Alegre e demais cidades do estado e país – gosto muito de frequentar!  Mas nada supera o café passado na nossa cozinha de manhã cedinho. O aroma enche a casa e o nosso ânimo para enfrentar o dia ganha um salto de qualidade. Ele vai além do hábito da manhã, além da energia extra e das horas pesadas de trabalho. O café também serve para confortar a alma. Nosso poeta das coisas simples, Mário Quintana, assim poetizou:
O café é tão grave, tão exclusivista, tão definitivo
que não admite acompanhamento sólido. Mas eu o driblo,
saboreando, junto com ele, o cheiro das torradas-na-manteiga
que alguém pediu na mesa próxima.


sexta-feira, 26 de maio de 2017

ANSEIOS

Conforme dicionário online de português, o verbo ansiar significa: querer algo com muita força; desejar insistentemente: ansiava por dias melhores. Verbo transitivo direto e pronominal. Ocasionar ou estar sentindo ânsia; angustiar ou angustiar-se: ansiava-se por nunca conseguir um emprego. E mais: possuir dificuldades para respirar; ofegar.
Meus anseios são tantos, que me encaixo no sinônimo de ‘possuir dificuldades para respirar’. Às vezes tenho a sensação que passo os dias com a respiração ofegante, como se tivesse participando de uma maratona infinita. E esta aflição congênita me desconsola, comprime e consome.
Meus sequentes suspiros litigam mudanças que se arrastam no tempo e não acontecem. Não por comodidade minha, mas por depender de circunstâncias alheias. Aprecio novidades, minha essência é metamórfica e a constância dos dias me angustia. Quero ar, quero vida, quero mar!
Sofro e choro nesta vida regular que verte para a extinção. Não contemplo grandes feitos além dos dias banais. Uma pequena saída aqui, uma que outra distração lá, algumas conversas entre um café e outro com minhas poucas amizades, porque muitas nem me interessam, pois mais vale uma porção verdadeira do que uma batelada de frivolidades.
Nas mídias e redes sociais percebo apenas a solidão de quatro esferas emocionais contemporâneas: a exaltação do ego, a necessidade de autoafirmação, a sensação de pertencimento e de obrigação. As mídias sociais criaram uma silenciosa e acirrada disputa entre as pessoas para mostrar quem aparenta ter a vida mais bacana. Pensamos que estamos felizes com o que temos até nos depararmos com um update na rede social que sussurra o contrário: você poderia ser mais interessante. Não para você, claro, mas para os outros. E isso exprime o vazio existencial que está presente na vida de todo ser humano, em maior ou menor grau. Não é privilégio meu! E isso até me conforta.
Às vezes tenho dificuldade, mas me esforço para preencher esta minha eterna busca por coisas novas, esse meu vício de querer coisas que não sei o que é por meio da arte de escrever, cozinhar, rezar e amar.

Assim vou extravasando os sentimentos, dando um sentido de transcendência à vida. E fora disso, como um poeta certa vez me disse: ‘não diviso ter sinal de liberdade’.  

sexta-feira, 19 de maio de 2017

SOLIDÃO

Solidão é mais do que o sentimento de querer uma companhia ou querer realizar alguma atividade com outra pessoa, não porque estamos isolados, mas por que os nossos sentimentos precisam de algo novo que nos transforme. Muitas pessoas passam por momentos em que se encontram sozinhas, seja por força das circunstâncias ou por escolha própria. Sentir-se sozinho pode ser uma emoção saudável e a opção de ficar só durante um período pode ser enriquecedora e só depende do estado emocional de cada indivíduo. Se este estado de estar sozinho e afastado das outras pessoas implica numa decisão consciente, não há perigo.
É importante oxigenar nossos pensamentos e este arejo passa pelo ato de estar sozinho. A solidão não requer necessariamente a falta de outras pessoas e geralmente é sentida mesmo em lugares densamente ocupados. Pode ocorrer dentro de um casamento ou relacionamentos íntimos similares, quando há ressentimento ou quando o amor dado não é correspondido. Aprender a lidar com mudanças de estilos de vida é essencial para superar a solidão. Viemos ao mundo sozinhos, atravessamos   a vida como seres em separado e, no final, morremos sozinhos.

Eu, particularmente, aprecio a solitude, ainda mais se estiver acompanhada de um bom livro ou um bom vinho.  Como disse Gabriel García Márquez, “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.”.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

ATALHOS

Às vezes saio a caminhar. Normalmente no mesmo trecho. Mas tem dias que enjoo do trajeto. Daí mudo a rota. Percorro outro itinerário, que me mostre casas, calçadas, jardins e árvores diferentes. Meu olhar e percepções requisitam novas paisagens e sensações. 
Mudar de percurso me traz breve deleite. Uma sensação de novidade, atualização de consciência; efêmero sentimento de inovação.
Tem dias que pego atalhos. Vou cortando ruas, reduzindo caminhos para acelerar meu destino. Mas quando alcanço o final me arrependo por ter me poupado as pernas e ter reduzido a possibilidade de mais cenários. Sento na grama orvalhada da praça, tiro o tênis e forço meus pés contra a terra – necessidade de me arraigar! Dobro minhas costas e deito para sentir por inteiro a sensação de firmeza e ao mesmo tempo liberdade. Sou terra, chão, sol e ar!
Esta necessidade de me harmonizar com a natureza tem me importunado um bocado. O tumulto urbano, a poluição sonora e visual, o asfalto, as construções... Tudo perdeu a graça. Tenho evitado as mecas de consumo porque não mais me bastam: lugares improfícuos onde os passeios me cansam, os bolsos se esvaziam e o corpo engorda. O verde é meu princípio vital. Faz-me falta olhar a chuva ostentando sua presença sobre as montanhas ao longe, aproximando-se devagar, sem urgências, mas consistente no seu propósito de beijar meu rosto e molhar meus pés. Quero resgatar minha gênese. Preciso me buscar na zona em que me extraviei. Foram tantos anos e planos: amores iniciados, outros mal resolvidos; filhos concebidos e paridos; poemas inacabados, palavras mal pronunciadas, versos não construídos; livros abortados, leituras interrompidas; rascunhos rasgados; noites mal dormidas, remédios ingeridos... Entre outros muitos ‘idos’!

Agora o tempo é breve, vertem líquidos os meus dias. Os prazos de validade vão-se vencendo e se eu não aligeirar meus passos, me atrapalho e perco as horas. Todas as demandas pedem urgência. Dobro os joelhos, subo meu corpo. Calço o tênis e me coloco em pé num único impulso. Caminhar é preciso, mas não há mais intervalos para abstrações. Hoje escapo de passagens tortuosas, evito impasses, encurto distâncias, sigo atalhos.

sexta-feira, 24 de março de 2017

E POR FALAR EM SAUDADE

A palavra saudade é oriunda do latim "solitas, solitatis"  - solidão. É uma das palavras mais utilizadas nas poesias de amor, nas músicas românticas da língua portuguesa. Ela não tem tradução literal em muitas línguas. Significa o sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas. Segundo a lenda, a saudade surgiu no período dos descobrimentos e definia a solidão que os portugueses vindos para o Brasil tinham da sua terra e dos seus familiares. Eram atacados por uma melancolia por se sentirem tão sós e distantes dos seus.
A saudade é uma incongruência: ao mesmo tempo em que aperta o nosso coração, preenche ele de amor. Ao sentir saudade revivemos sensações e sentimentos. Por meio dela, nos conectamos com todo um passado já vivido e também um futuro que ficou por viver.
No início, a saudade vem acompanhada de muita dor. Ela de fato tiraniza o nosso coração, penaliza a alma. Como disse nosso ‘poeta das coisas simples’: Eu agora – que desfecho! Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo de lembrar que te esqueci!
Eu já engoli muitas saudades. Bebi desta aguardente mais do que queria e devia, mas não menos que o necessário para aprender a lidar com a danada. Hoje até olho para ela com um pouco de gratidão.  Fui compreendendo que ela é o vínculo com quem não está mais perto de mim fisicamente e experimentá-la é gozar todo amor que ficou e que nunca irá me separar desse objeto.  
E pra terminar, ‘saudade é nossa alma querendo dizer para onde ela quer voltar’.  





sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

DE OUTROS CARNAVAIS

De origem pagã, o carnaval é uma herança de comemorações realizadas na Antiguidade por povos como os egípcios, hebreus, gregos e romanos. Esses festejos serviam para celebrar grandes colheitas e louvar divindades. Muitos entendidos  dizem que o termo vem de outra expressão latina: carnem levare, que significa “retirar ou ficar livre da carne”. Na Idade Média, essas velhas festividades pagãs foram incorporadas pela Igreja Católica, passando a marcar os últimos dias de “liberdade” antes das restrições impostas pela Quaresma. Nesse período de penitência - durante os 40 dias antes da Páscoa - o consumo de carne era proibido. No Brasil, o carnaval tem influência do “entrudo”, folia de origem portuguesa de onde veio o costume das “guerras de água”, muitas vezes com direito a lama, laranjas, ovos e limões-de-cheiro, entre outros. Outra tradição do Carnaval é o hábito de homens se vestirem com trajes femininos. A explicação está na própria psicologia da festa, um espaço de inversão, em que se busca ser exatamente o que não se é no resto do ano.
Hoje o carnaval é uma grande marca da cultura brasileira. Virou mais “marca” do que Carnaval, atraindo turistas, industrializando Escolas de Samba e roubando a pureza e a alegria natural dos velhos tempos. Brincar Carnaval, ontem e hoje, ainda é deixar-se levar pelas cores, pelo ritmo, pela alegria. É vestir-se de forma bizarra; é mascarar-se para surpreender e provocar risos; é dançar e pular no asfalto, atrás dos carros de som que dão o tom da animação.
Eu gosto da euforia carnavalesca, tanto dos salões quanto das ruas. Penso que se fantasiar, gritar, dançar, pular é uma catarse obrigatória que nos liberta de certos disfarces que a vida gregária nos obriga ostentar depois de toda quarta-feira de cinzas. Então, eu vou botar meu bloco na rua. Eu, por mim, “queria isso e aquilo, um quilo mais daquilo, um grilo menos nisso, é disso que eu preciso ou não é nada disso... Eu quero é todo mundo nesse carnaval”. E não me venha fazer jejum na Quaresma, querer dar uma de santo, que eu já te conheço de outros carnavais.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

NINHO VAZIO

Quando se é mãe, se amamenta, se cria, se educa, acostumamo-nos com as crias sob nossas asas. Vamos cuidando e protegendo, estendendo ao máximo esta ligação.
Mas chega o dia que é preciso e salutar romper o vínculo. Uns filhos saem de casa aos poucos, vão trabalhar, estudar, mas continuam morando próximos ou junto dos pais. Outros são mais radicais, fazem mochila e se mandam pelo mundo; outros vão ficando até terminar estudos, arranjar trabalho, poder se sustentar, até casar... Permanecem porque é cômodo e até porque as mães adoram e vão alimentando esta estadia prolongada, aos moldes das ‘mamas’ italianas, ao contrário do modelo americano.
Nunca tinha pensado muito nisso, embora sempre ouvisse falar. Mas quando a situação se apresenta na nossa realidade é que tomamos consciência do sentimento que é ver os filhos voarem do ninho. Principalmente quando o filho é único.
As mães passam a sofrer da síndrome do ninho vazio. Uma falta da presença dele (a) por perto; uma saudade de vê-lo (a) chegar suado (a) da rua, do seu chamado ‘manhê o que tem pra comê’, ou ‘cadê minha toalha?’. E agora de quem vai se cuidar? Da nossa vida, talvez. Um pouco mais de nós que ficamos nos esquecendo neste longo período de exercício da maternidade.
Embora sabendo que o voo é salutar para o crescimento, maturidade e independência deles, sentimos incerteza e angústia por não saber se os seus projetos vão se edificar. Um ‘não sei o quê de não sei o quê’. Algumas mães devem achar bobos estes sentimentos difíceis de explicar, mas tão intensos no sentir. Mas sei que muitas mães que já passaram por isso compreendem do que se trata. E nessas horas é sempre bom ouvir as experiências de outras mães, que nos ouçam, acalmam, dão o ombro. Tenho pensado em criar um CMNV (clube de mães de ninho vazio), para encontros de terapia coletiva. Quem se habilita a participar? Vou estudar como criar o regulamento.
Enquanto isso vai se exercitando o ritual de “deixe-os ir”. Faz parte da ritualística soltar um barquinho no mar, plantar uma árvore, flores, organizar uma horta, fortalecer nossa fé.  Eu comecei mudando as plantas de lugar. Assim, vamos deixando o papel de mãe, uma forma importante e catártica de ajuda-los seguir em frente.

O importante é que a base do ninho permaneça sólida. E se as avezinhas precisarem executar um voo de emergência saberão onde pousar.