sexta-feira, 20 de maio de 2016

EM DIAS FRIOS

O inverno abeirou forte nesses últimos dias. Hora de descer os cobertores nos armários, puxar os edredons, vestir os casacões, mantas, gorros e botas. Ligar aquecedores, lareiras, fogões. Tempo fechado, sol aparece a conta-gotas, frio corta a pele do rosto, arrepia o cabelo. Dias perfeitos para hibernar. Tomar um mate quente ou um café e sorver junto com uma boa prosa ou leitura. Isso também depende das preferências de cada um. Tem quem prefere enrolar-se numa manta e ver um bom filme no sofá da sala, com um chocolate quente. Não importa o meio, o importante é estar aquecido.
Mas aquecer-se não é só uma questão de se encontrar provido de roupas e meios externos, é algo mais. É sentir-se envolvido num clima completo de bem estar e aconchego. Não envolve apenas um ato, mas uma sucessão deles. É um ritual. Quando se tem fogão à lenha, então, a liturgia é completa. O aquecer parte da busca da lenha, da retirada das cinzas antigas da fornalha, preparar o fogo, acender e alimentar as chamas. E junto vem: aquecer água pra o chimarrão, café, quentão ou similares; fazer pipoca, rapadura ou bolinho de chuva. A culinária varia de acordo com a descendência e costumes. Como disse uma amiga, o fogão é o rei do inverno. Impera sobre todos os outros métodos de calefação. È majestoso e envolvente; domina o ambiente sem ostentar. A lareira é charmosa, mas o fogão é cativante. Ter um fogão em casa é tradição e cultura.
Isso tudo me faz lembrar a infância. Um lugar de invernos rigorosos e fogão aceso o dia todo. A casa ficava quente e eu apreciava, da vidraça, o vento frio assoviando baixo e dobrando as copas; o chuvisqueiro fino que às vezes virava neve. Tinha pipoca com melado, rapadura, chimarrão e café de chaleira. Sem contar os pães quentes saídos do forno à lenha, sorvidos com alguma outra iguaria. Nesses dias ficava ruim trabalhar na lavoura, então se ficava em casa conversando ao redor do fogo e se recebia visitas. Um vizinho, um familiar distante, sempre havia alguém. Hoje em dia quem deseja apreciar esses costumes da nossa terrinha, paga bem caro por um local que forneça essas práticas como lazer.
E não podemos esquecer os moradores de rua, os desamparados, os irmãos menos favorecidos. Sempre há um agasalho, um alimento quente e um pouco de afeto sobrando na nossa vida, que pode fazer a diferença para o próximo. A solidariedade também é uma forma de aquecer nosso coração. 

domingo, 15 de maio de 2016

PERSISTIR

Gosto deste verbo. É intransitivo, forte. Conforme seu sentido literal, expressa constância, insistência, obstinação. Quem persiste, não desiste, apesar da dificuldade.  Insiste, prossegue. O termo também pode ser usado como predicativo, no sentido de continuar a ser, perdurar. A lembrança desse termo me veio agora à memória, diante do desenrolar dos fatos políticos que estamos vivenciando nos últimos meses. Acredito que todos vão concordar comigo, independente de posição política, que a presidenta, hoje afastada do governo face ao impeachment, é uma clássica persistente. Diante de tantas adversidades, manteve-se convicta na defesa do seu mandato. Poderia ter se resignado, renunciado. Mas isso não é do seu perfil. E como boa representante do gênero, não decepcionou a classe feminina. Foi valente e guerreira, não desacreditou em si. Eu, particularmente, persisto em acreditar na política, apesar dos fatos me mostrarem que talvez não valha a pena.
Persistir é ter fé. E fé é um sentimento total de crença. Ter fé é postura contrária à dúvida e está intimamente ligada à confiança. Portanto, persistência e fé são parentas muito próximas.
Persistir no erro é burrice; persistir no acerto é atitude, ousadia. Não existe pessoa meio persistente, ou ela é ou não é. Quem persiste sabe que se um caminho não der no que quer, encontrará outro. O importante é vislumbrar saídas, e não renunciar. Manter constância nos nossos propósitos.
Persistência é substantivo feminino usual para os fortes de espírito. Sinônimo de perseverança para quem busca vencer obstáculos.  Numa linguagem mais simples, pura teimosia.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

FAZENDO FALTA

Enquanto ajeito minhas gavetas, Joana canta “to fazendo falta”, na Antena 1 ao vivo. Podem até considerar uma música meio jeca, mas eu gosto. E na voz da Joana, ficou esplêndida: ‘Você pode ter um tempo pra pensar e uma eternidade pra se arrepender, tá na cara dá pra ver no seu olhar, tô fazendo muita falta pra você’.
Penso no que ou quem me faz falta. Suponho que eu também devo fazer falta a alguém, ou não. Todos somos insubstituíveis, nas nossas singularidades. Até os nossos defeitos deixam saudade. Em algum instante da nossa trajetória, marcas sólidas vão se desenhando. E vamos escoando vida afora, carregados de ‘ais’. Um familiar que partiu; um amigo que se perdeu, um amor mal resolvido, um bichinho de estimação que fugiu de casa, ou morreu de velho. Quanta falta faz, o abraço estreito e a fala mansa daquela pessoa com quem convivemos um bom tempo e esse mesmo, por contingências adversas, baniu do nosso convívio. Como diz outra letra: ‘você que ontem me sufocou de amor e de felicidade, hoje me sufoca de saudade.’ Ai, ai, ai. Dá um nó na alma, uma dor glacial, uma vontade de suplantar a sorte e viver tudo de novo. Mas sem os mesmos equívocos, certamente.
Acontece também, sem termos consciência, na maioria das vezes, de sentirmos falta de nós mesmos. Extraviamo-nos dentro das nossas escolhas, deixando um cadinho de nós cá, outro lá, e chega um momento que não nos encontramos mais. Nossa identidade resta desagregada. Muitas vezes nem lembramos mais do ponto de partida. É a hora de se concentrar e buscar o fio da meada. Um encontro conosco, trará boas recordações, fará um bem enorme pra qualquer alma inquieta. Faz falta resgatar nosso arquétipo e nos reconstruir mais firmes, pra não ir perdendo biela por esses caminhos ruidosos, e ao final restar em fiapos.
Sinto falta do cheiro da velha casa da minha mãe, que já partiu. E de outros tantos registrados no meu olfato. Me faz falta algumas oportunidades que extraviei, alguns desacertos não ajustados; alguns amores não compreendidos, porque sempre fui meio distraída e não pensei que eram pra mim. Tá fazendo falta alguma paz, algum sossego, que devo ter esquecido num canto qualquer. 
Acho que to sentindo falta de mim. Preciso me buscar.