DONA DE MIM
Saí de casa como quem deixa o
cárcere, após um bom tempo de sentença transitada em julgado, cumprida. Peguei
a estrada no meu Ford Sedan. Chovia muito. Fui indo nos oitenta por hora, mesmo
quando a máxima permitida era cem. Queria aproveitar aquela liberdade soberana
que me dominava. Liberdade e solitude, o par perfeito que tanta falta me faz.
Estar sozinha, sem ninguém ao redor,
falando, chamando, pedindo, exigindo...passou a ser uma necessidade básica.
Essencial para minha mente inquieta e cansada, de noites mal dormidas,
carências não providas, exigências permanentes de um bando de entes, precisados
e dependentes da minha presença e atenção. Assim mesmo, muitos ‘entes’!
Cheguei no destino às quatorze horas,
louca de fome. O Xis do Carmelito, com uma Coca-Cola era meu maior sonho de
consumo naquela momento. Instante
longamente desejado. Porém, era véspera de feriado e a lancheria estava
fechada. Me bandeei para outro lado, segunda opção: Ilha do Pastel. Sentei numa
mesa com poltronas fofas. De mão no cardápio, fui direta ao assunto: - quero um
pastel, recheado com iscas de filé e queijo gorgonzola, gratinado, com uma Coca-Cola.
O prato logo desceu à mesa. Um pastel gigante, super-recheado, acompanhado de
uma montanha de batatas fritas crocantes e salada. Assustei-me, não esperava
tanto. Me pus a comer, sorvendo aqueles sabores, teti-a-teti, inclusive
fechando os olhos pra sentir mais o gosto. Pensei que não daria conta
mas...limpei o prato. Arrematei com a lata de refrigerante.
Depois veio aquele soninho pós
digestão. Eu fiquei ali, sentada na poltrona, sozinha, ouvindo algumas vozes,
ruídos distantes. Ninguém perto, necessitando comparência. Era a glória, a
salvação, quase um estado de graça, sentir-me assim. Única dona de mim.